“Lula disse ‘entra na água e vai nadar, pô! Então eu quero que eles governem uma cidade’. O PSOL já governou cidades; mais ainda, alguns dos seus quadros governaram grandes cidades. A maior delas, do Brasil e da América do Sul, foi governada pela deputada do PSOL, Luiza Erundina. No tempo em que o PT se parecia com o PSOL de hoje”.

A experiência do governo Erundina na Prefeitura de São Paulo, de 1989 a 1992, ainda não foi devidamente compreendida e aprendida, tantos anos depois. Lula disse “entra na água e vai nadar, pô! Então eu quero que eles governem uma cidade”. O PSOL já governou cidades; mais ainda, alguns dos seus quadros governaram grandes cidades. A maior delas, do Brasil e da América do Sul, foi governada pela deputada do PSOL, Luiza Erundina. No tempo em que o PT se parecia com o PSOL de hoje.

Uma das experiências mais relevantes do governo Erundina diz respeito à governabilidade. Parece que a isso é que Lula se refere: “nem Sarney [com imensa maioria] em 1986 conseguiu governar”. Mas Erundina governou sem maioria na Câmara Municipal. No entanto, produziu mudanças fundamentais na cidade e no crescimento da percepção, na cidade, de quais são os obstáculos verdadeiros a um governo que tinha, decididamente, um lado, e não era o lado da elite paulistana. Sem esconder isso – ao contrário, enfatizando isso em cada decisão de política pública e de gestão orçamentária – se viu muitas vezes cercada politicamente.

Mas deu uma aula de como, estando em lados diferentes e muito claros, não termina a governabilidade. Ela começa, na verdade, aqui. O Executivo e o Legislativo negociam às claras, em projetos específicos. Foi assim com a chamada “Municipalização” do serviço de ônibus em SP: adversários negociam, porque tem lá suas forças na cidade. E aprovam uma maneira de contratar o sistema, que permitiu que, meses depois, a aprovação pública do serviço atingisse o maior nível de sua história. Não ultrapassado até hoje. Maior do que do Metrô, então bem melhor avaliado do que hoje.

Como: sem governabilidade a qualquer preço, mas com negociação, dura, que se seguiu a uma mobilização social que movimentou todos os setores da cidade: a proposta de Tarifa Zero, que deixava claro que, fundamentalmente, os serviços públicos (como a educação, a saúde, o transporte) devem ser financiados por quem se beneficia da maior parte da renda gerada na cidade. Quando a Tarifa Zero (que nem foi sequer submetida a votos na Câmara) foi proposta, o Governo cumpriu um dos seus papéis mais importantes: desnudar as relações de força e poder que limitam o desenvolvimento das pessoas e das cidades. A partir disso, e só por isso é que, mesmo sem Tarifa Zero, sem maioria na Câmara, foi possível romper o nó dos transportes públicos por ônibus em São Paulo. Sem frescura.

*Mauro Zilbovicius é professor doutor da Universidade de São Paulo e assessor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior