Análise de Conjuntura – A atuação dos meios de comunicação

Nossa era vive um momento dramático, fruto da crise do processo de globalização capitalista sob a hegemonia do capital financeiro, e que se expressa pelo deslocamento de levas e levas de imigrantes, fugindo da fome e da guerra em busca de algum lugar onde possam sobreviver.

Entre outros efeitos perversos desse processo de globalização é a enorme concentração de renda e do investimento a nível mundial, trazendo como consequência para os países periféricos, como o Brasil, uma forte desindustrialização e elevadas taxas de desemprego. Em consequência, a participação da indústria no PIB brasileiro se reduziu de 25% no início da década de 1980 para cerca de 11,9% em 2015, índice semelhante ao de 1947.

Além disso, a inovação tecnológica, particularmente as tecnologias que substituíram a força de trabalho, também contribuiu para a eliminação de postos de trabalho na indústria, geralmente melhor remunerados, reduzindo o poder de pressão das classes trabalhadoras.

Os custos dessa crise do capitalismo e do processo de globalização econômica recaem, exclusivamente, sobre os trabalhadores, com a perda de seus direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, salários baixos, privatização de serviços essenciais como educação, saúde, transporte e outros.

No caso do Brasil, esse quadro é ainda mais grave, diante de uma crise multifacetada de natureza econômica, social, ética, política e institucional, além da crise de esperança pela falta de perspectiva e a incerteza quanto ao futuro da democracia e do Estado Democrático de Direito.

O governo ilegítimo de Michel Temer, fruto de um golpe parlamentar ao arrepio da Constituição, já que não se comprovou crime de responsabilidade da Presidenta da República, eleita democraticamente, vem destruindo um a um os direitos e conquistas do povo brasileiro, por meio de inúmeras medidas de ajuste fiscal, tais como:

·         Teto de gasto que congela o gasto público pelos próximos 20 anos;

·         A privatização do pré-sal;

·         A Reforma do Ensino Médio;

·         A Reforma do EBC que extinguiu o Conselho Curador e o mandato fixo do presidente da empresa;

·         A terceirização do trabalho nas empresas privadas e no serviço público;

·         A Reforma Fundiária e Urbana que reconcentra a terra; flexibiliza as obrigações ambientais e trabalhistas; e legaliza a grilagem de terra;

·         A Reforma Trabalhista que acaba com a CLT, flexibilizando os direitos trabalhistas;

·         A Reforma da Previdência que acaba com os direitos previdenciários (ainda em curso);

·         A Reforma Política (em processo de votação);

Destacaria como um dos graves problemas estruturais do país, o esgotamento do sistema político que apresenta enormes distorções, impossível corrigir com simples e frequentes remendos na legislação eleitoral.

A consequência disso é uma crise política de proporção alarmante, cujo foco é o atual sistema presidencialista de coalização, sustentado por uma base parlamentar composta por vinte e cinco partidos políticos, na sua grande maioria meras legendas eleitorais, sem identidade ideológica e sem projeto político.

Registre-se a omissão, nesse particular, do poder legislativo que, há mais de duas décadas, no início de cada legislatura, anuncia que a reforma política é prioritária, mas não passa de promessa vazia e expectativas frustradas, não obstante o interesse e a participação da sociedade civil organizada.

No momento, está sendo votada no Congresso Nacional uma reforma política, digna da era Temer; propõe o “distritão” como sistema eleitoral que só existe no Afeganistão e em mais três pequenos países asiáticos, e que é absolutamente ultrapassado e inadequado para um país como o Brasil. Acrescente-se a isso, o distrital misto, previsto para as eleições de 2022. O pior é a criação de um Fundo Nacional de Financiamento da Democracia, com recursos públicos, num montante inicial de 3 bilhões e 600 milhões de reais, o que é uma afronta aos 14 milhões de desempregados, além das precaríssimas condições de saúde, educação e assistência social oferecidas à população.

Outro fato preocupante da crise atual é o desapreço pela democracia, demonstrado por atores políticos, e disseminado na sociedade pelos poderosos meios de comunicação de massa. Estes, monopolizados por um pequeno grupo de concessionárias, que se beneficia da vigência de um marco legal obsoleto, e que resiste a qualquer tentativa de mudança com vistas à sua atualização e democratização. O desrespeito às regras do processo democrático é, portanto, um agravante visto que a mídia se comporta como se fosse um partido político ao interpretar e propagar sua versão dos fatos de forma tendenciosa.

Ademais, existe um impasse entre setores da sociedade brasileira que reivindicam o controle social da mídia, e a resistência dos empresários e do próprio governo em atender a essa justa demanda, sob a alegação de tratar-se de um atentado à liberdade de expressão, o que é uma falácia.

O controle social da mídia foi um dos temas debatidos pelos participantes da 1ª Conferência de Comunicação (CONFECOM) realizada em dezembro de 2009. Essa conferência foi uma conquista das entidades da sociedade civil que militam pela democratização dos meios de comunicação no país e que pressionaram o então presidente Lula para que a convocasse, visto que, até ali aquele governo já havia realizado inúmeras conferências relacionadas às demais políticas públicas como saúde, educação, cultura, mulher, criança e adolescente, assistência social, entre outros.

A Conferência aprovou um total de 672 propostas que, apesar do árduo esforço das entidades da sociedade civil, após a Conferência, não levou à necessária mudança do atual e obsoleto marco regulatório dos meios de comunicação social. Resultou, no entanto, na criação de uma Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação Com Participação Popular, que tem sido um instrumento importante na discussão da política pública de comunicação dos sucessivos governos e em apoio às entidades que lutam por essa política e pela mudança do marco legal em vigor.

No atual governo ilegítimo do Temer, o sistema de comunicação do país tem sofrido perdas, tais como a intervenção na Empresa Brasileira de Comunicação, extinguindo o Conselho Curador, mecanismo de participação da sociedade civil na gestão da empresa, e eliminando o mandato fixo do seu presidente, atentando, assim, contra o caráter público da EBC.

Outra medida que atenta contra o interesse público, diz respeito ao processo de privatização, em curso, do Satélite inicialmente destinado à implementação do Programa Nacional de Banda Larga e no momento, está previsto sua comercialização.

Outra medida que compromete conquista importante da sociedade em relação à política de comunicação, se refere à mudança da composição do Comitê Gestor da Internet, para ampliar a participação dos representantes das empresas de comunicação no referido comitê, o que tem gerado, inclusive, reação de órgãos internacionais aos quais o CGI está ligado.

Vale destacar ainda a poderosa influência da mídia, como aparelho ideológico, sob o controle privado, na formação da consciência coletiva e da opinião pública, tanto pelo conteúdo da programação, como pela extensão do seu alcance, a depender do meio de comunicação.

Tal influência tem sido decisiva, na constituição da subjetividade, na reprodução de ideias, conceitos e valores, exercendo, assim, controle sobre o imaginário da população, induzindo-a a determinada leitura da realidade e à formação de opinião sobre os fatos, sempre no interesse das classes dominantes.

Além disso, por meio da publicidade orientada a determinados públicos, como crianças, adolescentes, mulheres e outros; contribui para restringir sua autonomia e liberdade de ser no mundo.

Outro tema importante, tratado pela 1ª CONFECOM, e que eu gostaria de trazer à nossa reflexão diz respeito à questão da democratização da comunicação, nos termos do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e da Constituição de 1988 – Capítulo V – da Comunicação, não regulamentado até hoje. São marcos legais que definem a liberdade de expressão e informação como um direito humano fundamental.

Contrariamente a isso, existe forte concentração dos meios de comunicação no Brasil, como monopólios e oligopólios, descumprindo, assim, dispositivos constitucionais, em detrimento da democracia.

Registre-se, ainda, a ausência total de controle sobre a mídia por parte do próprio Estado que abdica do seu poder como órgão concedente de um serviço público essencial, produzido com meios naturais (frequências eletromagnéticas), portanto um bem público, patrimônio do povo. É premente, pois, o controle público sobre o uso desses meios, apropriados, indevidamente, por grupos e empresas privadas, que se opõem, a qualquer controle, até mesmo por meio do Estado.

Enfim, o atual quadro do sistema de comunicação do país e a falta de controle público e social sobre os meios, refletem negativamente sobre a imagem dos segmentos excluídos da sociedade, tais como: mulheres, negros, idosos, LGBT(s) e pobres, representando, assim, lamentavelmente, déficit de democracia e inominável agressão aos direitos humanos da maioria da população brasileira.

Precisamos, pois, avançar na luta pela reversão desse quadro, como condição para se construir uma sociedade igualitária, constituída e governada por sujeitos livres, e em que as diferenças, de qualquer natureza, sejam fatores de enriquecimento e oportunidades iguais para todos e todas.

Para tanto, é necessário um sistema de comunicação sob controle social, régido por uma política pública que assegure a todos o direito humano à liberdade de expressão e o pleno exercício da cidadania por todos os cidadãos e cidadãs brasileiras.

Luiza Erundina de Sousa

 

Deputada Federal