Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados:

O Brasil vive hoje uma crise sem precedentes, que mais parece um pesadelo interminável. A crise envolve, num abraço de afogados, os três poderes da República, situação que deixa o país sem rumo, e atinge fortemente a economia, comprometendo a geração de emprego e renda.

É um cenário que gera enorme preocupação em relação a vários aspectos, tais como: a profunda degradação da representação parlamentar, que se expressa no envolvimento de deputados e senadores em graves ilegalidades; o baixo nível do debate nesta Casa; a promiscuidade entre o Legislativo e o Executivo, que demonstra o esgotamento do presidencialismo de coalizão.

O nosso falido presidencialismo de coalizão é um sistema de troca de favores, blindado em relação às demandas populares, que exige uma ampla maioria parlamentar para possibilitar a governabilidade – maioria essa que requer negociações intermináveis, nem sempre republicanas, sempre custosas para a população.

Registre-se, além disso, o fato de o Judiciário estar deixando a desejar no que se refere à isenção e ao equilíbrio indispensáveis na apreciação e julgamento das questões a ele submetidas.

O Supremo Tribunal Federal, para além da morosidade em julgar processos relacionados a personagens da política brasileira, tem falhado em adotar um padrão de jurisprudência – o que, evidentemente, produz insegurança jurídica.

Isso tudo contribui para colocar em xeque nossa incipiente democracia, reforçando o clima de descrédito e frustração que existe na sociedade.

Nesse contexto de confusão e perplexidade, registre-se, também, a paralisia que vive esta Casa, em razão da demora em se resolver, definitivamente, a cassação do presidente afastado Eduardo Cunha. Em seu lugar assumiu um vice-presidente politicamente despreparado, e que age em favor dos interesses da pequena política, que beneficia, inclusive, o deputado que acaba de ser julgado pelo Conselho de Ética e Decoro da Casa.

Nos últimos dias vêm sendo veiculadas informações na imprensa dando conta de que articulações com vistas à sucessão na presidência da Câmara dos Deputados estariam sendo tramadas no Palácio do Jaburu, e que previam um “acordão” para salvar o mandato de Eduardo Cunha, elegendo para um mandato-tampão alguém com o apoio de partidos da situação e com a chancela de Cunha e seus aliados.

Tratativas que, se levadas a cabo, desgastarão ainda mais a já desqualificada imagem do Poder Legislativo.

Como todos sabemos, a crise atual tem como expressão mais dramática, tanto o estelionato eleitoral, praticado pela presidente Dilma Rousseff, quanto a não-aceitação do resultado das urnas por parte da oposição conservadora.

A presidente Dilma cometeu graves erros na gestão e, sobretudo, na política – erros que nós do PSOL nunca hesitamos em apontar e denunciar. O maior deles, certamente, foi acreditar na conciliação com o capital e com os coronéis da mídia, afastando-se de suas bases históricas, que são os trabalhadores e os movimentos sociais.

No entanto, cada vez fica mais claro, para o Brasil e para o mundo, que a presidente não foi afastada em razão de seus erros, de sua baixa popularidade e, muito menos, de eventual crime de responsabilidade que lhe pudesse ser imputado – mesmo porque já está mais do que provado que ela não cometeu crime de responsabilidade.

Dilma foi afastada porque uma boa parte da elite política, incluídas figuras que transitam descaradamente entre a base e a oposição ao seu governo, teme o avanço da operação Lava Jato e o julgamento da Justiça, e quer usurpar o poder para barrar as investigações em andamento. Quem tiver dúvidas a respeito disso, que consulte as conversas gravadas pelo ex-senador Sérgio Machado com o ex-ministro Romero Jucá, o senador, Renan Calheiros e o ex-presidente José Sarney.

É claro que não poderíamos ter qualquer expectativa positiva em relação ao governo interino do Michel Temer, gestado na conspiração e na fraude; composto por figuras conhecidas pelo apego ao poder e desapreço pela ética da política, além do descompromisso com a democracia.

Ainda assim, impressiona a sofreguidão com que o governo interino – esquecendo-se, inclusive, de que é interino -, toma medidas que comprometem conquistas históricas do povo brasileiro. Conquistas das mulheres, dos negros, dos índios, dos trabalhadores, da sociedade como um todo em sua luta pelo aprofundamento da democracia e por maior transparência no trato da coisa pública.

O governo Temer, para o qual a “Constituição Cidadã”, de 1988, “não cabe no PIB”, que anseia por “privatizar tudo o que puder ser privatizado”, demonstra ter pressa de implementar medidas que, como eles sabem muito bem, jamais passariam pelo crivo das urnas.

Em meio a sucessivos absurdos reveladores do caráter autoritário e prepotente desse governo, destacam-se a extinção da Controladoria Geral da União; a intervenção no IPEA e a intervenção na Empresa Brasil de Comunicação, a EBC, que desde sua origem, em 2007, tem incomodado os “donos”, entre aspas, da mídia no Brasil.

Significativa, também, foi a extinção – seguida por sua recriação como áreas do Ministério da Justiça – das secretarias de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Mulheres, que já haviam perdido o status de ministério no Governo Dilma.

E talvez ainda mais significativa tenha sido a extinção do Ministério da Previdência Social, que tinha nada menos do que 60 anos de existência, e agora, esvaziado, foi incorporado ao Ministério da Fazenda, o que deixa patente a adoção de um modelo de financeirização da seguridade social.

Ao criticar o caráter regressivo desse governo do “desmanche”, de ameaça às conquistas populares, é importante destacar as medidas ultra-liberais anunciadas pelo banqueiro Henrique Meirelles, que ocupa provisoriamente a pasta da Fazenda.

Medidas tais como a proposta de congelamento dos orçamentos da Educação e da Saúde, que afetará a maioria da população brasileira que depende desses serviços públicos, para favorecer os grupos econômicos que pretendem se apropriar da prestação desses serviços.

Além disso, anuncia-se uma reforma da Previdência baseada na retirada de direitos, e justificada por um discutível “rombo”, entre aspas.

Completando esse quadro aterrador, esta Casa aprovou recentemente a PEC da DRU, que permite desviar recursos do orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal – servindo, assim, na prática, para o pagamento de juros e amortização da dívida pública.

Enquanto isso, não se fala na realização de uma reforma tributária que corrija as injustiças do nosso sistema regressivo, fazendo com que aqueles que têm mais capacidade contributiva paguem mais. E não se permite uma discussão sobre a auditoria da dívida pública, prevista na Constituição de 88 e hoje mais urgente do que nunca.

O que temos é a perspectiva de avanço ainda maior do desemprego, da terceirização e da precarização do trabalho, ou seja: pretende-se colocar na conta dos trabalhadores, dos seus salários e dos seus direitos, a responsabilidade pelo baixo crescimento e pela falta de investimentos nos últimos anos.

Recentemente, na iminência do esgotamento do prazo de suspensão de 60 dias estabelecido pelo STF, nas ações que questionavam – e questionavam com razão! – a constitucionalidade da cobrança de juros sobre juros, o governo interino anunciou acordo de renegociação de juros de diversos estados com a União. Pelo que se noticiou, o acordo, que ainda não se concretizou na forma de projeto de lei, prevê um “pacote de bondades” que inclui a renegociação das dívidas por 20 anos, a suspensão do pagamento das parcelas pendentes de 2016 (ou seja, moratória até o fim deste ano) e descontos regressivos nas parcelas até meados de 2018.

O problema não é o pacote, em si mesmo positivo, mas o que ele exige em troca.

Em contrapartida, o governo provisório exige que os estados apoiem a proposta que estabelece um teto nos gastos públicos, limitando seu reajuste à correção com base na inflação do ano interior. Ou seja, uma medida de ajuste exigida pelos senhores do capital financeiro, que irá impossibilitar o investimento social de que o Brasil tanto necessita, e reduz os recursos para a Saúde e a Educação.

A renegociação com os estados visa também, não temos dúvidas, garantir a maioria para a aprovação definitiva do impeachment de Dilma no Senado – aprovação que vai se tornando mais incerta à medida que fica claro para o Brasil e o mundo o quanto o processo é fraudulento.

O presidente interino procura, hoje, acender uma vela para o capital especulativo, que exige ajustes duros e imediatos, e outra para as negociatas que o alçaram ilegitimamente ao poder, sem desagradar a nenhum dos lados.

Trata-se de um equilíbrio improvável, sem possibilidade de sucesso.

Temos acompanhado a reação da imprensa internacional a esse golpe contra a democracia que está sendo praticado no Brasil, e que o Senado Federal tem a responsabilidade histórica de deter, restituindo o mandato à Presidente eleita.

O rechaço ao golpe tem se expressado, também, em manifestações, como o documento assinado por dezenas de deputados europeus de diferentes partidos e nacionalidades, denunciando a falta de legitimidade democrática do governo que aí está, e solicitando à Alta Representante da União Europeia para Política Externa e Segurança que não negocie com o interino Michel Temer. Da mesma forma, diversos países latino-americanos têm se recusado a reconhecer o governo que aí está.

No entanto, mais importante ainda são as manifestações que ocorrem aqui no Brasil, capitaneadas por trabalhadores, estudantes e cidadãos em geral.

Temos visto, com entusiasmo, o banho de cidadania política que a juventude vem dando ao ocupar escolas e instituições do Ministério da Cultura, pelo país afora, em protesto às arbitrariedades que se cometem, hoje, no Brasil.

E eu lhes garanto que esse movimento cívico está só no começo, e não vai parar!

Finalizo dizendo que, apesar das nuvens carregadas que cobrem a Praça dos Três Poderes, e das dificuldades que têm marcado a travessia rumo à consolidação da nossa jovem democracia, nos sentimos confiantes e com muita disposição de luta na defesa intransigente das conquistas históricas do povo brasileiro.

Era o que tinha a dizer.

 

Muito obrigada!